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Ser diretor ou sócio de empresa não é crime

Ser diretor, sócio, gerente ou administrador de empresa, por si só, não é, e jamais será crime enquanto estivermos regidos pela garantia prevista no artigo 5º, inciso 45 da Constituição Federal que proíbe expressamente a censura penal por fato de outrem.

A afirmação tem uma razão de ser. Não é rara a instauração de processos criminais contra empresários pelo simples fato de constarem no contrato social da pessoa jurídica que integram. Muitas vezes, sem qualquer domínio sobre atos de gestão da empresa, passam a responder por crimes ambientais, tributários, contra ordem econômica, contra o sistema financeiro, etc.

Intolerável como a impunidade que impera em nosso país.

Após muito sofrimento, a humanidade passou a ter garantido na Constituição de seus países, um plexo de direitos contra o arbítrio do Estado. Qualquer retrocesso que arroste tais conquistas, alcançadas à duras penas, representa verdadeiro retrocesso que deve, tal e qual a impunidade, ser combatido.

Felizmente isso não é discurso em vem sendo afirmado pelas cortes superiores de nosso país ao refutar ações penais desencadeadas a partir de denúncias genéricas despidas de qualquer descrição do liame entre o fato tido por criminoso e a pessoa do empresário.

Não se desconhece a dificuldade de investigação de crimes ocorridos no seio da empresa. Agora o que não se admite é que a autorização dos Tribunais quanto a denúncias genéricas para os crimes de autoria coletiva sirva de escudo retórico para a não descrição mínima de participação de cada agente na conduta encarada como ilícita pelo órgão acusatório.

Em plena sintonia com a Constituição Federal, STF (AP 516/DF, DJe 06/12/2010) e STJ (HC 65.463-PR, DJe 25/05/2009, HC 164.172-MA, DJe 21/05/2012) convergem no entendimento de que, nos crimes praticados no âmbito das sociedades, a detenção de poderes de gestão e administração não é suficiente para a instauração da ação penal, devendo a denúncia descrever conduta da qual se possa resultar a prática do delito.

Efetivamente, o cidadão envolvido num processo criminal se defende dos fatos a ele imputados na denúncia, e não da tipificação feita pelo Ministério Público, de modo que ausente a descrição adequada da conduta por ele supostamente praticada, obviamente tolhido fica o regular exercício de sua defesa e com isso atingida outras duas garantias constitucionais, vale dizer, do devido processo legal e da ampla defesa, inseridas nos incisos 54 e 55 do artigo 5º da Constituição Federal.

A aptidão da denúncia para inaugurar a ação penal, fica, pois, condicionada a análise da existência de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria.

Do contrário, obstada está a persecução penal contra qualquer empresário por ofensa as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da responsabilidade penal subjetiva.

Essa a conclusão a que se chega: o simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma empresa, só por só, não significa que ela deva ser responsabilizada pelo crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade objetiva repudiada pela ordem constitucional vigente.

E mais: se permitido for à acusação oferecer denúncia genérica, vaga, sem a individualização da conduta de cada acusado, de nada adiantou a Constituição Federal consagrar as garantias processuais do devido processo legal e da ampla defesa.

Para finalizar, consciente de que tal posicionamento em nada procura contribuir com a impunidade em nosso país, mas sim com o aperfeiçoamento de nossa democracia, recorda-se memorável julgamento de “habeas corpus” perante o STJ ocasião em que ficou assentado que: “O Poder Judiciário precisa responder à sociedade dizendo que aqui somente se processa quando se deve processar; aqui somente se processa quando há viabilidade condenatória que se faz pela acusação. Senão, não. Se assim agirmos, estaremos falando à sociedade que os tribunais são justos porque cumprem a lei; os tribunais são justos porque não aplaudem a afoiteza de acusar-se donos de rede ou pessoas mais poderosas” (HC 23.819/SP).

Tal entendimento foi revigorado recentemente pelo STJ. No julgamento do HC 218.594-MG, decidiu que “Nos crimes societários, embora não se exija a descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado na denúncia, é imprescindível que haja uma demonstração mínima acerca da contribuição de cada acusado para o crime a eles imputado. Apesar de nos crimes societários a individualização da conduta ser mais difícil, deve a denúncia demonstrar de que forma os acusados concorreram para o fato delituoso, de modo a estabelecer um vínculo mínimo entre eles e o crime, não se admitindo imputação consubstanciada exclusivamente no fato de os acusados serem representantes legais da empresa. O STJ tem decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo do acusado com a conduta delituosa, por configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio”. O julgamento ocorreu em 11/12/2012 e a decisão foi noticiada no informativo jurisprudencial n. 514 do Tribunal (20/03/2013)

Enfim, a responsabilidade criminal no Brasil continua sendo subjetiva proscrevendo-se qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em mera suspeitas, reconhecer a culpa do acusado (STF, HC 84.580-1/SP).

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