Hoje foi publicada a Lei 12.830 que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Dentre outras questões, está a regular em seu artigo 2º, §6º, matéria de suma importância, até então omissa no plano legal, qual seja, como deve a autoridade policial proceder em relação ao indiciamento dos investigados.
Fê-lo nos seguintes termos: “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Embora já vicejasse jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que “o indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se, ao mero suspeito, a autoria do fato criminoso” (Inq. 2.041-MG, Min. Celso Mello), certo é que na prática, até mesmo por falta de amparo legal, os indiciamento se davam sem qualquer justificativa por parte das autoridades policiais.
Se antes da Lei 12.830/13 era escusado realizar o ato de indiciamento divorciado de ato fundamentado, a despeito da brilhante redação do artigo 5º, parágrafo único da Portaria DGP 18, de 25/11/1998(1), mas que sempre foi sonelemente olvidado pelas autoridades policiais, fato é que agora a determinação legal não deixa qualquer margem para se deixar de fundamentar o ato de indiciamento.
Bem pudera. Aliás, como adverte o eminente ministro Celso de Mello da Suprema Corte brasileira: “[…] o indiciamento não pode, nem deve, constituir um ato de arbítrio do Estado, especialmente se se considerarem as graves implicações morais e jurídicas que derivam da formal adoção, no âmbito da investigação penal, dessa medida de Polícia Judiciária, qualquer que seja a condição social ou funcional do suspeito” (Inq. 2.041-MG).
E, por isso mesmo, sustenta a prodigiosa doutrina de Sylvia Helena F. Steiner (“O Indiciamento em Inquérito Policial como Ato de Constrangimento – Legal ou Ilegal”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 24/305-308, 307): “(…) levando-se em conta que a Constituição Federal centra o rol de direitos e garantias individuais no princípio da dignidade do ser humano, não temos dúvidas em apontar a ilegalidade do ato de indiciamento antes da definição da materialidade delitiva e antes que suficientes os indícios de autoria”.
Em tempos de afirmação do Estado Democrático de Direito, deve ser reverenciada a nova disciplina legal que vem a suprir nebulosa lacuna da legislação penal brasileira.
Oxalá a lei seja respeitada e o “habeas corpus”, sem qualquer barateamento(2), possa servir de remédio para combater sua violação.
(1)Artigo 5º – Logo que reúna, no curso das investigações, elementos suficientes acerca da autoria da infração penal, a autoridade policial, procederá o formal indiciamento do suspeito, decidindo, outrossim, em sendo o caso, pela realização da sua identificação pelo processo datiloscópico.
Parágrafo Único – O ato aludido neste artigo deverá ser precedido de despacho fundamentado, no qual a autoridade policial pormenizará, com base nos elementos probatórios objetivos e subjetivos coligidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional atribuída ao fato, bem assim, com relação à identificação referida, acerca da indispensabilidade da sua promoção, com a demonstração de insuficiência de identificação civil, nos termos da Portaria DGP – 18, de 31.1.92.
(2)O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC 104.045/RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros. Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal entendimento, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício. A propósito: HC 221.200/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 19.9.2012. Configura constrangimento ilegal o indiciamento formal da acusada após o rcebimento da denúncia. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para revogar a decisão que determinou o indiciamento formal da paciente, sem prejuízo do prosseguimento da Ação Penal. (STJ, 5ª Turma, HC 167215/SP, rel. Min. Marilza Maynard, DJe 13/03/2013)