Agora é lei no Brasil. A empresa que praticar ato de corrupção será responsabilizada objetivamente, na esfera administrativa e civil, pela prática de atos contra a administração pública.
Na rabeira da tendência mundial de normatizar o combate à corrupção, a exemplo da “Convenção Interamericana Contra a Corrupção”, idealizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), firmada em 1996, da “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”, da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), firmada em 1997, e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada em 2005, adveio ao ordenamento jurídico brasileiro a Lei 12.846, do último 1º de agosto.
É fruto da aprovação do projeto de lei 39/13, inspirado nas legislações americana (“ForeingCorruptPracticesAct” – FCPA, em vigor desde 1997) e inglesa (“BriberyAct”, de 2011) e tem suas garras direcionadas ao financiador do ato de corrupção, e não ao receptor desse ato espúrio.
No contexto de adaptação de nossa legislação às exigências internacionais, já contávamos com normas voltadas ao combate à corrupção, como a Lei de Improbidade Administrativa (de 1992) e a Lei da Ficha Limpa (de 2010), mas persistia um hiato quanto à responsabilização das empresas corruptoras, antes sujeitas a punições de multa e proibições de contratar com o poder público e dele receber incentivos fiscais ou creditícios.
Pela nova lei as empresas estarão sujeitas ao perdimento de seus bens, à suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até mesmo à sua dissolução compulsória (esfera cível), além de multa (podendo chegar até R$ 60 milhões) e ônus de publicar a decisão condenatória em meio de comunicação de grande circulação na área de prática da infração e de atuação da empresa (esfera administrativa).
Interessante que ao criar mecanismos que podem, efetivamente, inibir a corrupção, fraude a licitações e outras práticas que afetam a administração pública, a Lei 12846, seguindo mais uma tendência de outras leis, como a de lavagem de dinheiro e de combate a cartéis, prevê benefícios ao envolvido que decidir colaborar com as investigações.
Agora a maior novidade: o estímulo à prática do “compliance”. Quem contar com mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica terá a pena reduzida (os parâmetros de avaliação desses mecanismos e procedimentos ainda serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal, é o que diz o parágrafo único de seu artigo 7º).
A implantação ou aprimoramento de programas de “compliance” (termo anglo-saxão que deriva da expressão “tocomply”, cujo sentido é agir de acordo com uma regra) presente no mundo corporativo, provoca a seguinte indagação: por que o Estado e seus agentes igualmente não se sujeitam ao “compliance” e passam a agir em conformidade com as normas, além de fomentar a ética e a transparência que se coadunam com as boas práticas governamentais?
Não só as empresas mas sobretudo o Estado que queremos deve ter a integridade e os princípios enunciados na Constituição Federal (legalidade, igualdade, moralidade, impessoalidade e publicidade), presentes em todas as ações por si realizadas.
É certo que a nova lei anticorrupção vai estimular o “compliance” nas empresas, que aprimorarão, em seu âmbito interno, o cumprimento de normas e regulamentos, evitando o comprometimento da companhia com práticas ilícitas. Pode ainda eclodir uma prática mais comum nos Estados Unidos e na Europa: acionistas processando administradores, ou as próprias empresas abrindo ação contra seus funcionários. O objetivo seria mostrar que há idoneidade da companhia, para evitar sanções mais rígidas.
Mais do que uma “atenuante”, o “compliance” é uma exigência do mundo capitalista. Sua prática, antes da lei, é um norte que devemos todos estar comprometidos a seguir. Aliás, a democrática manifestação popular que precedeu a edição da Lei 12846 é prova cabal da fadiga da sociedade com tanta corrupção e desmandos da coisa pública.
Se de um lado ainda pende regulamentação a respeito do que caracteriza um efetivo programa de “compliance” para atenuar a pena de empresa envolvida em prática de ato de corrupção, de outro encerra uma certeza: a Constituição Federal foi feita para ser cumprida e certamente confere aos agentes do Estado pilares seguros para um “compliance” eficaz em fina sintonia com os anseios do povo brasileiro.
artigo publicado no jornal Cruzeiro do Sul em 13-09-2013