Lamentavelmente o combate à corrupção no Brasil é marcado por uma longa história de decepções. O Código Penal e diversas leis esparsas procuraram conter essa chaga que envergonha a nação, mas, a despeito dos instrumentos legais, muito pouco se viu em termos de efetiva responsabilização.
Enquanto a cultura da honestidade não é assimilada em solo brasileiro, a resolução pela via da normatividade vem sendo trilhada. Assim o foi uma vez mais, sob o impacto de grande insatisfação popular (após as manifestações de junho de 2013) com o advento da Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção), que entrou em vigor no último dia 29 de janeiro de 2014 e que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil da pessoa jurídica pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Se diversos são os avanços e desafios trazidos com a Lei Anticorrupção (preservação da moralidade administrativa e da integridade empresarial, além de compatibilizar nosso ordenamento jurídico aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil), fato é que predominam dúvidas e incertezas a respeito do sentido e do alcance da lei enquanto não advém sua regulamentação pela Corregedoria Geral da União (CGU).
Enumeramos algumas: 1) indefinição de como se dará a dosagem da multa que pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo; 2) repercussão na seara criminal do acordo de leniência celebrado com a administração (a confissão da participação no ilícito pode isentar a empresa de algumas penas administrativas, mas inibirá a ação penal do Ministério Público contra os dirigentes da empresa?); 3) esferas distintas de responsabilidade avaliando de modo diverso a atuação empresarial: enquanto pela Lei de Improbidade Administrativa a empresa é responsabilizada apenas por dolo nos atos lesivos à administração pública, pela Lei Anticorrupção essa responsabilidade é objetiva, o que importa dizer que, independentemente de dolo ou culpa, ela responderá por atos que sejam, até mesmo, praticados sem o seu conhecimento; 4) conflito de decisões quando a apuração couber a vários órgãos prejudicados: a mesma empresa, que atua em mais de um Estado, e esteja sendo investigada pela prática de um mesmo ilícito, pode se sujeitar a processos administrativos distintos e suportar penalidades heterogêneas; 5) indefinição do que seria um programa de “compliance” efetivo. Diz a lei que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica são fatores a ser considerados na aplicação das penalidades, mas não identifica o grau de diminuição ou até isenção dessas penas àquelas empresas que comprovarem a prática do “compliance” em suas atividades.
Bem verdade que diversas outras poderiam ser elencadas e igualmente não ultrapassariam o campo da especulação a respeito da aplicação da Lei Anticorrupção.
Na medida em que a sua regulamentação não vem à tona pela CGU, os Estados e Municípios permanecem na espera para, por coerência e simetria, também regulamentar a lei no âmbito de suas respectivas administrações (muito embora o Estado de São Paulo tenha publicado sua regulamentação, em 30 de janeiro de 2013, certo é que pelo Decreto 60.106/2014 grande parte das questões foram delegadas à CGU, como, por exemplo, o desenho dos programas de “compliance”).
Nada obstante, enquanto não sobrevém a regulamentação da Lei pelo Poder Executivo Federal, as empresas devem aproveitar esse tempo para se preocupar ainda mais em vigiar toda a sua estrutura e, no contexto da mudança de paradigma (antes para preservar um ambiente sadio de negócios do que para mostrar serem capazes de fazer aquilo que o Estado não o foi), aprimorar seus programas de “compliance” e extirpar cada vez mais a corrupção do mundo dos negócios, públicos ou não.
artigo publicado na revista GolfInside, abril/2014