A improbidade administrativa passou, infelizmente, a integrar a pauta quase que diária da política nacional. Tal patologia social, aparentemente de fácil diagnóstico, não tem encontrado remédio e o tratamento vem sendo realizado pela via mais dolorosa, qual seja, a cirúrgica intervenção do Poder Judiciário.
Com previsão constitucional e disciplina em lei específica de 1.992, o rótulo da improbidade administrativa tem marcado número significativo de gestores públicos, especialmente aqueles ordenadores de despesas, como os prefeitos, secretários, diretores de autarquias ou presidentes de empresas públicas.
De conceito fluído, vem sendo ela debatida em inúmeros processos judiciais cuja solução, ainda que não definitiva, pode barrar candidaturas a cargos eletivos. Eis a expressão de um dos dispositivos da lei da ficha limpa, aliás, o terceiro mais aplicado nas eleições de 2014, ficando atrás apenas dos casos de rejeição de contas e da prática de crimes.
O tema, não só pelos reflexos da atuação da Justiça no curso dos mandatos eletivos, mas também por atingir o patrimônio dos envolvidos (que invariavelmente se defendem com os bens pessoais bloqueados), tem sido fator de ponderação para muitos profissionais não se dedicarem a gestão pública.
Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são quase 44 mil ações de improbidade administrativa ajuizadas até 2011 pelo Ministério Público e cerca de 15 mil condenações em todo o país. Os números são expressivos, assim como são as dúvidas do Poder Judiciário em torno do alcance da lei da improbidade administrativa (Lei 8.429/92), mesmo após mais de vinte anos de sua vigência.
Toda e qualquer generalização é perigosa. Por isso, os tribunais nacionais chegaram a conclusão de que nem toda ilegalidade traduz improbidade administrativa. Para a configuração da improbidade administrativa, deve resultar da conduta enriquecimento ilícito próprio ou alheio (art. 9º da Lei 8.429/1992), prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/1992) ou infringência aos princípios nucleares da Administração Pública (arts. 37 da Constituição e 11 da Lei 8.429/1992), sendo importante nessa avaliação a intenção do agente, isto é, se ele atuou com desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave.
Embora as hipóteses de inabilidade do gestor ou da ocorrência de erro formal na atuação administrativa estejam, a princípio, afastadas da incidência da lei de improbidade administrativa, o receio dos gestores de serem investigados ou demandados em ações dessa natureza é fundado. E não poderia ser diferente diante da inevitável exposição de sua imagem pelas vigilantes opiniões pública e publicada, além das consequências judiciais já destacadas e que invariavelmente acompanham as figuras públicas por muitos e muitos anos.
Esse cenário, divorciado do denuncismo infundado mas protagonizado pelo bom senso, é desafiador para os verdadeiros gestores públicos e cada vez menos atrativo para os aventureiros ou improvisadores. Ainda assim são inúmeros os candidatos, é verdade. Por aí já se vê o que está em disputa: uns a buscar, com coragem e honradez, concretizar os objetivos republicanos; outros a alcançar o banco dos réus na Justiça e a sujar própria ficha. Oxalá todos, eleitores e eleitos, acertem em suas escolhas.
artigo publicado no jornal Cruzeiro do Sul, em 12-09-2014