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Críticas a algumas das 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público

Em entrevista a revista Consultor Jurídico em 24-03-2015 o Ministro Gilmar Mendes (STF) sintetizou da seguinte forma sua opinião sobre o pacote anticorrupção apresentado pelo Ministério Público Federal (www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas) e que atualmente conta com mais de um milhão e duzentas mil assinaturas: “Precisamos nos perguntar o que eles esqueceram na hora de formular essa proposta. E a resposta é clara: a Constituição”. Especialista no assunto, Aury Lopes Júnior, chega a afirmar que estão querendo “lavar a jato o processo penal” (Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, edição de dezembro de 2015).

Independentemente dos méritos das propostas e das críticas que recaem sobre elas (adiante sintetizadas), não há como deixar de consignar que há um consenso em termos de uma sociedade menos sacrificada pelo câncer da corrupção.

Tomando como pano de fundo o “argumento” de Paulinho da Viola para quem “tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim”, seguem algumas das críticas ao pacote anticorrupção do MPF em vias de atingir o número necessário para o encaminhamento dos projetos de leis de iniciativa popular ao Congresso Nacional:

1)    Flexibilização da prova ilícita – A aferição da legitimidade da prova não pode ter como parâmetro seus benefícios ou malefícios processuais. Deve, isto sim, respeitar a própria lei e a Constituição Federal.  Não é porque a prova ilícita não trouxe efetivo prejuízo à defesa que ela passa a ser admitida.  Em jogo não está a sorte da defesa de um acusado criminalmente, mas sim o Estado Democrático de Direito que proscreve a prova ilícita e quanto a isso não há espaço para tergiversação.

2)    Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado – a medida excepcional e extrema não se mostra razoável pois já é possível a prisão processual na hipótese de dilapidação patrimonial, malgrado também exista medida cautelar de extrema eficácia para atingir o sequestro de bens, direitos ou valores do investigado, acusado ou até de interposta pessoa (famoso “laranja”), que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes.  Inadmissível que a proposta tenha o propósito de estimular o preso a apresentar o suposto patrimônio não localizado no curso da investigação que, sabe-se lá, se existe. Prisão por dívida ou extorsão disfarçada também não rimam com Estado Democrático de Direito.

3)    Mudança no sistema recursal para antecipar a execução da pena – o juízo de valor em termos do que é “manifestamente protelatório ou abusivo direito de recorrer” para impedir o processamento de recursos e justificar a aplicação imediata da pena traduz discricionariedade perigosa na medida em que eleva o nível de subjetividade em torno desses conceitos fluídos e deságua em insegurança jurídica garantida pela Constituição Federal que também assegura a ampla defesa, a qual só pode ser exercitada em sua extensão assegurada constitucionalmente na medida em que sejam oportunizados os recursos (todos) a ela inerentes. A propósito, em 2009, quando foi concluído o julgamento do HC 84.078, o STF firmou o entendimento no sentido de que “a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar”.

4)    Ajuste da disciplina da prescrição para evitar a impunidade – a duração razoável do processo, com a atuação do sistema de justiça célere e eficiente sem dúvidas é um ideal, quiçá um sonho. O problema da demora na solução dos casos deveria ser atacado na causa e não no sintoma. Ampliar os prazos de prescrição ou acabar com marcos de sua interrupção apenas desloca o problema e não elimina a causa da lentidão, qual seja, a necessidade do Estado (Polícia, Ministério Público e Judiciário) cumprir prazos previstos em lei para encerrar o processo. A defesa não atrasa a conclusão de inquéritos pois neles não há espaço para o contraditório (ao menos até o advento da Lei 13.245, publicada ontem) e no processo está sujeita ao cumprimento dos prazos sob pena de, perdendo-os, igualmente perder os próprios clientes.

5)    Teste de integridade – a simulação de uma situação qualquer, ofertando vantagens indevidas a servidores públicos a fim de testar sua capacidade de resistir à tentação delitiva, para impedir crimes ainda não iniciados, mas que se imagina possíveis ou prováveis, afigura-se próprio da ficção (The minority report) ou, feitos os devidos ajustes, de programa de auditório (João Kleber na Rede TV) mas não afinado com o devido processo legal brasileiro em que a culpa deve ser aferida pela prática de uma conduta objetiva e subjetivamente típica, ilícita e culpável, sendo impunível a mera cogitação e o crime impossível.

Essas, em suma, algumas das críticas que são feitas ao pacote anticorrupção propagado pelo MPF em feliz e louvável iniciativa tão digna de repetição como o clássico ensinamento no sentido de que os fins não justificam os meios.

Enfim, como discípulo do Estado Democrático de Direito, tem-se que o mais sensato é seguir professando a fé e o respeito inflexível à Constituição Federal, até mesmo no combate a esse fenômeno nefasto e tenebroso que está sangrando o país, sem distanciar dos conselhos de Paulinho da Viola em sua primorosa música tomada como pano de fundo para essa escrita: “faça como um velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”.

Publicado no jornal Cruzeiro do Sul em 18-01-2016

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