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A prisão não é o único fim do processo penal

Com o avanço das investigações e operações policiais destinadas a apurar crimes de corrupção, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, dentre outros, o estudo sobre as medidas assecuratórias previstas no ordenamento jurídico processual penal se mostra relevante, uma vez que buscam garantir o ressarcimento pecuniário da vítima em face do delito ocorrido e impedem o enriquecimento ilícito daquele que está sendo alvo da ação penal.

Exemplo disso, e o melhor de todos, é a operação Lava Jato que recuperou R$ 4 bilhões aos cofres públicos, desde o seu início, em 2014. Neste ano, R$ 1,6 bilhão foi recuperado para Petrobras, União e Estados.

Pois bem. As medidas assecuratórias estão previstas no Capítulo VI do Código de Processo Penal e constituem-se em sequestro, arresto e hipoteca legal. Há também previsão na legislação especial, como, por exemplo, na lei de lavagem de dinheiro (Leis nsº 9.613/1998 e 12.683/2012).

No mesmo sentido, a recente Lei nº 13.886, de 17 de outubro de 2019, dispõe que nos crimes previstos na Lei. 11.343/06 (tráfico ilícito de drogas), os bens móveis e imóveis confiscados deverão ser vendidos por meio de hasta pública, preferencialmente por meio eletrônico, assegurada a venda pelo maior lance, por preço não inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação judicial.

Nada obstante a particularidade envolvendo o tráfico ilícito de drogas, a regra geral (Código de Processo Penal, artigos 125 a 131) é no sentido de que caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.

Para a doutrina, trata-se da “medida assecuratória consistente em reter os bens imóveis e móveis do indiciado, ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com o proveito da infração penal, para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, a fim de se viabilizar a indenização da vítima ou impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa”. [1]

De tal conceito doutrinário extrai-se que a constrição abrange somente os imóveis adquiridos ilicitamente, portanto, exclui o patrimônio anterior à prática delitiva, visto que tal medida não se trata de mais uma espécie de pena, mas tem o intuito de reparar o dano causado ao ofendido pela prática do crime por meio da alienação judicial dos bens sequestrados.

Como requisito indispensável para a decretação do sequestro, dispõe a lei que bastará a existência de “indícios veementes da proveniência ilícita” (artigo 126 do Código de Processo Penal). Entende-se por indícios veementes como uma quase certeza da proveniência ilícita, embora não se identifique com a certeza, também não pode ser confundido com a simples suspeita ou mera suposição [2].

Considerado o interesse do Estado e da vítima em resguardar o patrimônio adquirido ilicitamente pelo acusado, poderá o magistrado ser provocado pelo representante do Ministério Público, pela vítima, seu representante legal ou herdeiros, ou ainda pela autoridade policial, a decretar a constrição ou mesmo fazê-lo de ofício.

A imposição de tal medida restritiva poderá ser decretada “em qualquer fase do processo ou antes de oferecida a denúncia ou queixa”, segundo o que dispõe o artigo 127 do Código de Processo Penal.

Após a decretação do sequestro, conforme prevê o artigo 239 da Lei 6.015/73, será inscrita na matrícula do respectivo imóvel, proporcionando a publicidade do ato e impedindo a transmissão a terceiro de boa-fé.

A propósito, convém registrar que se o(s) imóvel(is) for(em) alienado(s), seja de boa ou de má-fé, não existirá óbice algum para ser determinado o sequestro do(s) mesmo(s) desde que comprovada a origem ilícita da aquisição anterior. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Não há ilegalidade na extensão do sequestro a bens de terceiros não envolvidos diretamente no ilícito penal, desde que devidamente fundamentada a decisão em indícios veementes de que tais bens foram adquiridos ou construídos com finanças produto de crime. (5ª Turma, RMS 46.794/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/08/2016, DJe 31/08/2016)

Nesta ordem de ideias, demonstrada a origem ilícita do(s) bem(ns) imóvel(is), visando garantir a reparação dos danos causados a vítima e impedir a lucratividade da atividade criminal, tem o Magistrado o poder-dever de aplicar tal medida assecuratória nos processos criminais, não ficando apenas à mercê apenas da pena que, polemicamente após decisão da Suprema Corte (ADCs 43, 44 e 54), só passa a surtir efeitos após o trânsito em julgado.

[1]     NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal comentado, 17ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2018, p. 372.

[2]   BADARÓ, Gustavo Henrique, Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais, 3ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 345.

 Marina Santos Pereira Dourado

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