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STF condena parlamentar que divulgou vídeo com conteúdo fraudulento em rede social

A Primeira Turma julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar deputado federal pela prática do crime de difamação agravada.

Cuida-se de ação penal privada promovida contra parlamentar em cujo perfil de rede social foi publicado vídeo editado com cortes de trechos de discurso feito pelo autor, então deputado federal, a fim de difamá-lo (Informativo 876).

Inicialmente, o colegiado assentou que as alegações de inépcia da inicial e de incidência da imunidade parlamentar já tinham sido rejeitadas quando do recebimento da queixa-crime. Na espécie, não se aplica a imunidade parlamentar, pois o ato não foi praticado in officio ou propter officium.

Reiterou que a liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe contornos à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a Constituição Federal (CF).

De igual modo, a veiculação dolosa de vídeo com conteúdo fraudulento, para fins difamatórios, a conferir ampla divulgação pela rede social ao conteúdo sabidamente falso, não encontra abrigo na imunidade parlamentar [CF, art. 53 (1)].

No mérito, foi assentada a comprovação da materialidade do delito. Laudo de perícia criminal de instituto de criminalística da polícia civil concluiu que o vídeo foi editado e que o processo de edição resultou na modificação da informação, conduzindo à compreensão diversa da realidade factual.

A Turma realçou que o conteúdo original da manifestação sofreu vários cortes, após os quais passou a revelar conotação racista e preconceituosa. O fato de veicular trechos da fala do autor é elemento especioso, ardil empregado com o intuito de conferir-lhe verossimilhança.

Além disso, o dano à honra do querelante foi certificado em juízo por depoimentos prestados. Simultaneamente, há prova do impacto sobre a imagem do autor. A fraude revela nítido potencial de enganar os cidadãos que a visualizaram e de produzir discursos de ódio contra a fala indevidamente alterada, difamando o opositor político do réu.

Noutro passo, assinalou que a publicação em perfil de rede social é penalmente imputável ao agente que, dolosamente, tem o intuito de difamar, injuriar ou caluniar terceiros, máxime quando demonstrado o conhecimento da falsidade do conteúdo. A criminalização da veiculação de conteúdo com essas finalidades não colide com o direito fundamental à liberdade de expressão.

Observou que o delito contra a honra é de ação múltipla, conglobando não apenas a criação do conteúdo criminoso como também a sua postagem e a disponibilização de perfil em rede social com fim de servir de plataforma à alavancagem da injúria, calúnia ou difamação. A autoria desses crimes praticados por meio da internet demanda: (i) demonstração de que o réu é o titular de página, blogue ou perfil pelo qual divulgado o material difamatório; (ii) demonstração do consentimento — prévio, concomitante ou sucessivo — com a veiculação em seu perfil; (iii) demonstração de que o réu tinha conhecimento do conteúdo fraudulento da postagem (animus injuriandi, caluniandi ou diffamandi).

A divulgação do conteúdo fraudado constitui etapa da execução do crime, a estabelecer a autoria criminosa do divulgador, que não exclui a do programador visual ou do editor responsável pela execução material da fraude, quando promovidas por outros agentes em coautoria. Na circunstância de um ajudante postar vídeo fraudulento veiculador de difamação, a coautoria criminosa do titular do perfil somente é afastada se ele desconhecer o uso de sua página para a divulgação e, portanto, não consentir com o emprego de sua plataforma em rede social para alavancar a campanha difamatória.

Na situação dos autos, os testemunhos colhidos na instrução corroboram a autoria criminosa. O referido vídeo foi postado no perfil do acusado, que admitiu tê-lo assistido e ter sido informado da postagem quando foi disponibilizado em sua página na rede social. O réu sabia que o conteúdo não era fidedigno à fala do querelante, porquanto se tratava de manifestação absolutamente contrária à proferida em debate do qual ele próprio participara e cujo conteúdo era de seu inteiro conhecimento. Ainda assim, o parlamentar-querelado manteve o conteúdo difamatório disponível em sua plataforma, que somente foi retirado de circulação após decisão judicial. Ademais, o vídeo fraudulento elevou a popularidade do réu na rede social utilizada, revelando número de visualizações superior à média de sua página, a evidenciar seu ganho pessoal com a campanha difamatória.

Ao rechaçar tese defensiva da ausência de dolo de difamar, o colegiado anotou que as alegações não se sustentam. A divulgação por mero animus narrandi se caracteriza quando há desconhecimento da natureza fraudulenta. Na espécie, o réu detinha todas as informações necessárias para conhecer o descompasso entre o discurso proferido e o divulgado no vídeo com adulterações aptas a inverter o sentido da fala e conferir-lhe teor racista. Igualmente inverossímil a arguição de que os cortes realizados tiveram finalidade exclusivamente técnica, com o objetivo de reduzir o vídeo ao tamanho limite do suporte de mídia utilizado. Se essa fosse unicamente a intenção, os cortes não teriam deturpado a fala do querelante. Outros trechos poderiam ter sido excluídos para atender ao propósito técnico.

Em sede de dosimetria, a Turma considerou presentes quatro circunstâncias judiciais negativas. Cominou reprimenda de um ano de detenção, no regime inicial aberto, cumulada com pena de multa.

Diante de pressupostos legais, substituiu a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária, na forma do art. 45, § 1º, do Código Penal (CP) (2), consistente no pagamento de trinta salários mínimos à vítima, fixado como montante mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Vencido o ministro Marco Aurélio quanto à fixação de regime aberto para cumprimento inicial da reprimenda e à substituição da pena privativa de liberdade. Segundo o ministro, o regime aberto é reservado a situações em que as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (3) são favoráveis ao acusado e o relator apontou haver quatro situações contrárias ao réu. Além disso, o ministro compreendeu que o inciso III do art. 44 do CP (4) afasta, considerado o objetivo da norma, a possibilidade de, ante circunstâncias judiciais negativas, proceder-se à substituição da pena por restritiva de direitos.

(1) CF: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
(2) CP: “Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.”
(3) CP: “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”
(4) CP: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (…) III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.”

AP 1021/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 18.8.2020. (AP-1021)

Fonte: Informativo STF n. 987, de 17 a 21/08/2020

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