TRE/SP aciona o VAR e, por 4×3, decide que a então prefeita, seu vice e um vereador, pastor evangélico, da cidade de Votorantim estão fora da arena política por 8 anos por terem abusado do poder nas eleições municipais, das quais foram expulsos de campo.
A prefeita de Votorantim, no período pré-eleitoral do último pleito (10/08/2024), esteve na catedral da Igreja Quadrangular do Reino de Deus, na cidade que governava. Subiu no altar da igreja. O mesmo fez o pastor Lilo, então vereador da mesma cidade.
Na ocasião, o líder religioso, pastor Daniel, discursou:
“(…) Então nós temos aqui alguém que com certeza nós escolhemos para representar a nossa igreja mais uma vez. Está aqui conosco o pastor Lilo, que já é vereador nessa cidade, mas que também é pré-candidato à reeleição para vereador. E a igreja quadrangular aqui de Votorantim, nós estamos fechados com o pastor Lilo (…)
“(…) Nós vamos orar, mas eu vi chegando aqui a nossa prefeita, prefeita Fabíola que alegria, o César Silva, é a Betty ali. É prefeita Fabíola Alves né, é nossa amiga e que Alegria receber a prefeita da cidade, uma autoridade no nosso evento. Que Deus possa te abençoar grandemente e vem aqui também no altar. Vamos orar pela prefeita também, que também é pré-candidata à reeleição também, né? E também o nosso amigo César Silva, vereador que também é vice, para nós é uma alegria, é uma alegria poder recebê-los nesse evento tão abençoado, não é? (…)”
Fora da arena religiosa, mas também no período eleitoral (02/08/2024), a prefeita concedeu reajuste da ordem de 34,10% no valor pago pela prefeitura para a locação de um espaço de propriedade da mesma igreja em que funciona a escola de música.
Para a Justiça Eleitoral de Votorantim, que cassou o registro da prefeita, de seu vice e do vereador pastor evangélico, candidatos à reeleição, estes foram os fatos relevantes:
“no caso, a majoração de 34,10% não veio acompanhada de nenhuma justificativa. Simplesmente constou no contrato o reajuste e nada mais. Cabe mencionar que não tem nenhum cabimento a versão dos réus de que houve economia para o município porque o índice de atualização não foi aplicado desde o princípio. Ora, a cada aditamento o contrato estava sendo renovado e em alguns anos, como acima mencionado, houve renúncia de aplicação do índice e até diminuição do valor do aluguel, portanto, não faz sentido a tese de que o contrato deveria ser atualizado desde o seu nascedouro em 2015. Óbvio que não. O raciocínio é antijurídico. A cada novo aditamento, havia um novo preço e um contrato novado. Haveria clara ofensa ao princípio da legalidade se o município resolvesse majorar pelo índice de correção o valor inicial do contrato em 2015, cuja administração nem era exercida pela ré FABÍOLA. O preço do aluguel considerado para efeito de reajuste era aquele previsto para julho de 2024, vale dizer, R$ 14.541,06, e como o preço foi majorado, sem qualquer explicação, para R$ 19.500,00, houve acréscimo de 34,10% como já dito. Uma majoração neste patamar até seria possível caso viesse acompanhada de uma motivação válida, com base em elementos objetivos indicando, por exemplo, benfeitorias que foram realizadas ou novos valores praticados no mercado. O que não tem cabimento é sugerir que o preço estava viável porque a aplicação do IGP-M desde o início do contrato importaria em valor maior. Como as partes poderiam majorar o contrato desde 2015 pelo índice IGP-M , se o preço do aluguel chegou a ser diminuído em julho de 2018 e houve renúncia ao índice em vários aditamentos???? Como já anotado, os aditamentos constituíram novação de preço, sendo absolutamente sem cabimento tentar impor uma majoração ano a ano pelo preço praticado no primeiro ano de vigência do contrato”.
Essa combinação de poderes – político, econômico e religioso – e seu abuso, foi determinante para que os candidatos levassem o cartão vermelho, antes mesmo de encerrado o pleito eleitoral.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, com votação apertada em que o voto de minerva de seu presidente foi crucial para o resultado, concluiu a partir do voto vencedor da lavra do eminente Desembargador Cotrim Guimarães, relator do caso:
“(…) Desta forma, fica evidente o abuso de poder político, considerando-se que a representada Fabíola se utilizou da posição de Prefeita Municipal para, na proximidade do pleito eleitoral, angariar o apoio de político de particular à sua candidatura, beneficiando, ainda, seu candidato a vice-prefeito e candidato ao cargo de vereador de partido que integra a mesma coligação partidária.
Além disto, o abuso de poder econômico pode ser extraído da concessão de benefício econômico à Igreja, consistente no aumento de aluguel de imóvel de sua propriedade, em troca de apoio político (…)”
O aumento do aluguel foi crucial, é verdade, mas se entrelaçou com os vários outros atos de abuso de poder religioso e ficou claro que o réu ALISON, nas palavras do líder religioso que presidiu o ato, é o representante da Igreja Quadrangular nestas eleições. Segundo o líder religioso: “Então nós temos aqui alguém que com certeza nós escolhemos para representar a nossa igreja mais uma vez. Está aqui conosco o pastor Lilo” (…) Ficou evidente, pelo poder de influência que detém sobre os fiéis da igreja e também sobre o líder religioso que não lhe cansou de render elogios, que o réu não foi mero beneficiário de todo conjunto de abusos praticados pelos réus, mas alguém que efetivamente concorreu para sua prática, já que havia no local até mesmo um telão em forma de outdoor em sua homenagem, a palavra lhe foi conferida como representante da Igreja e com certeza ele é uma das peças principais para estabelecer o projeto de poder da Igreja, numa mistura ilícita de direito de crença, uso de dinheiro em campanha de fonte vedada, uso de dinheiro público para majorar ilicitamente a Igreja que ele representa, concretizando toda esta mistura em abuso de poder também praticado pelo réu” (ID 66203243).
Ao contrário do que sustentaram os políticos que tiveram seu registro cassado e a inelegibilidade declarada por 8 anos pela Justiça Eleitoral de Votorantim no sentido de que a punição seria exagerada, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP) concluiu, por maioria (4×3), que tal proceder configurou sim ato abusivo e comprometeu a legitimidade das eleições.
E o caso se destaca por alguns fatores: é um dos primeiros, amplamente debatido pelo TRE-SP, em que diferentes facetas do abuso de poder foram consideradas, em um mesmo caso, a saber, a do abuso do poder religioso, do poder político e do poder econômico. Chama a atenção, mais ainda, por se tratar de um contexto em que diferentes candidatos, ainda na pré-campanha, utilizaram-se amplamente de estrutura e discurso religiosos para transmitir sua mensagem.
Contudo, para que não pareça que o TRE-SP impediu toda e qualquer manifestação de candidatos em casas religiosas, faz-se necessário um adendo acerca dos fatos para que não se caia nessa “vala comum”. No caso, constatou-se que, ao longo de diversos minutos, o celebrante da noite, por meio de inúmeros expedientes retóricos e religiosos, afirmou, a todos os fiéis presentes, haver projeto político-institucional da agremiação religiosa em prol das candidaturas específicas, ali presentes.
Neste sentido, o uso da autoridade religiosa, a princípio voltada a garantir o bom fluxo de energias espirituais e mensagens de natureza tipicamente religiosas, transbordou – e muito – para ato ostensivo de propaganda eleitoral. Ademais, o abuso do poder político restou evidenciado por, juntamente ao contexto apresentado, somarem-se discursos dos candidatos no púlpito enquanto publicidades eleitorais eram transmitidas ao fundo, em telão, inclusive com exibição da bandeira municipal ao término da exposição.
Ainda, como se não fossem suficientes as espécies de abuso anteriormente descritas, também ficou constatado o abuso do poder econômico por meio da utilização do erário, às vésperas do início do período eleitoral, para “turbinar” contrato de locação firmado entre a municipalidade e a Igreja Quadrangular do Reino de Deus, em nada menos que 34,10% do originalmente pactuado.
Todo o ocorrido foi transmitido em live da Igreja Quadrangular do Reino de Deus, diretamente da catedral de referida denominação religiosa repleta de fiéis. Portanto, a gravidade da conduta, para além do acima descrito, acabou evidenciada para o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, sendo pouco relevante para a corte o tempo de permanência e fala dos candidatos no local, ainda que breve.
Detalhe do final da partida: os três políticos que levaram cartão vermelho não venceram o jogo democrático. Além da derrota, amargaram agora o banco de reservas por duas outras eleições.
Processo no TRE/SP: Recurso Eleitoral n. 0600354-26.2024.6.26.0220
Rodrigo Gomes Monteiro e Vinicius Martins Antunes de Souza, advogados especialistas em direito eleitoral