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Lei anticorrupção empresarial: sugestão de pequenos ajustes

Ao que tudo indica a lei anticorrupção empresarial, ou lei da empresa limpa, fechará o ano de 2014 sem a sua regulamentação pelo Poder Executivo federal.

Fruto dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (OEA, ONU e OCDE), mas também impulsionada pelas manifestações populares de junho de 2013, a Lei 12.846 foi publicada em 1º de agosto de 2013 e passou a ter eficácia em 29 de janeiro de 2014.

De lá para cá o que se viu foi uma movimentação das empresas, sobretudo daquelas com sedes no exterior, em busca do desenvolvimento ou aprimoramento de seus programas de integridade visando a prevenção em relação as severas punições trazidas com a nova lei (multas pesadíssimas e até mesmo a liquidação forçada da empresa corruptora).

Há quem sustente a eficácia da lei sob esse prisma, ponderando a saudável preocupação em incorporar valores éticos no seio do mundo corporativo independentemente da existência de processos punitivos ou da imposição de sanções pelo poder público.

Para outros especialistas, o controle de qualidade da lei não se encerra com a avaliação da aparente aceitação da regra e de seu cumprimento pelos destinatários da lei. O exemplo de que realmente “pegou” se dará a partir da imposição de efetivas punições. Quanto a isso, contudo, não se tem notícias, a despeito da certeza de que atos lesivos à administração pública não deixaram de ser cometidos e de que os cofres públicos continuam a sangrar.

Independentemente da publicação do aludido decreto, a lei está valendo e não há razão para não ser aplicada. Observamos, a propósito, duas falhas em seus dispositivos que, se aperfeiçoados, bem melhor poderiam atender os interesses da sociedade na responsabilização efetiva dos corruptores e corruptos.

São elas: 1) proporcionar que todas as empresas, e não só a primeira a manifestar seu interesse em cooperar com a apuração do ato ilícito (como é hoje), sejam beneficiadas pelo acordo de leniência (redução das penas em troca da colaboração efetiva com as investigações, lembrando que o acordo não exime a empresa da obrigação de reparar integralmente o dano causado); 2) que o Ministério Público participe do acordo de leniência celebrado pelas empresas com o poder público, cuja validade estaria sujeita a homologação judicial, e neles estariam dispostos os reflexos em outros regimes punitivos, especialmente em relação a responsabilização das pessoas físicas por atos de improbidade administrativa e crime de corrupção (sua imunidade, penas diminuídas, etc).

Se a primeira proposta está a exigir pequeno ajuste na redação do artigo 16 da Lei 12.846/13 (que trata do acordo de leniência), a segunda está a demandar novo paradigma a respeito das funções institucionais do Ministério Público que, até os dias atuais, não pode fazer acordos em matéria de crimes de corrupção e de atos de improbidade administrativa.

Entretanto, apesar de ousada, a segunda proposta não aparenta ser surreal. Diz-se isso a partir das louváveis conclusões do “I Encontro Nacional Ministério Público – Pensamento Crítico e Práticas Transformadoras”, de iniciativa do Ministério Público paulista realizado entre os dias 10 e 13 de setembro em São Paulo e que contou com o apoio de diversos outros Ministérios Públicos (boletim do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – ano 22, n. 264, novembro/2014, p.7/8).

Parte das ideias do Encontro foi assim sintentizada: “Não dá mais para negar o estado de crise do sistema de justiça penal brasileiro. É preciso, pois, nesse contexto, a partir da avaliação crítica da realidade, buscar alternativas legítimas para um processo de reconstrução social na esfera da segurança pública, o que pressupõe o fortalecimento das instituições republicanas como um todo e o incremento das políticas públicas não penais, entre elas, as vinculadas à educação, saúde e assistência social”.

Talvez a flexibilização do princípio da obrigatoriedade da ação penal (a partir de critérios regrados, ampliar a margem de discricionariedade para dar início ou não a processos criminais em casos de corrupção) e um novo trato ao artigo 17, §1º, da Lei 8.429/92 (que proíbe acordos em matéria de ato improbidade administrativa e passaria a admiti-los) fossem medidas salutares para atingir maior eficiência na responsabilização de corruptos e corruptores, a exemplo do aparente sucesso das delações premiadas na operação “Lava Jato” e da consequente recuperação de vultosa quantia de recursos públicos em favor da sociedade brasileira.

Ultrapassado o campo da admissão da ideia, sobrevirá outro: o da atuação do Parlamento para transformá-la em lei. Aí o desafio é outro.

artigo publicado no jornal Cruzeiro do Sul, em 16-01-2015

 

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