Artigos

Acordo nas ações de improbidade administrativa

A nova lei de mediação (13.140/15), interpretada em conjunto com outra recente lei, a da anticorrupção empresarial (12.846/13), poderá provocar importante mudança em matéria de improbidade administrativa, qual seja, a revogação do artigo 17, §1º, da lei 8.429/92, passando, a partir no início de 2016, ser possível a celebração de acordo ou conciliação nas ações por atos de improbidade administrativa.

A reforçar a plausibilidade dessa conclusão, sustenta-se que seria o instituto do acordo de leniência (artigos 16 e 17 da lei 12.846/13) o instrumento hábil a viabilizar a conciliação por parte do Ministério Público, a exemplo do que outro instituto assemelhado, a colaboração premiada (artigo 4 a 7 da lei 12.850/13) vem fazendo nas ações penais, especialmente naquelas decorrentes da superlativa operação da lavagem à jato, não imune, é verdade, a variadas críticas.

A nova lei da mediação, que dedica seu segundo capítulo a autocomposição de conflitos em que for parte a pessoa jurídica de direito público (artigos 32 a 40), de largada em seu terceiro artigo afirma que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. Mais adiante dispõe que a conciliação dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator quando a matéria objeto do litígio que esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União (artigo 36, §4º).

Corajosa a novidade legislativa que sabiamente rompe com a tradicional proibição de acordo nessa seara.

A enorme e crescente quantidade de ações judiciais em curso discutindo a responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa, na mesma ordem de grandeza da intolerância com a odiosa prática de atos contrários à administração pública (corrupção é apenas um deles), reclama solução diversa do tradicional exercício da jurisdição, tendo em consideração a garantia constitucional da duração razoável do processo (inciso 78 do artigo 5º da Constituição da República).

Por falar na Constituição, é nela que está definida a eficiência como princípio que deve nortear a Administração Pública (desde 1998, com a Emenda 19), princípio esse que, sem vacilo, igualmente giza a atuação dos Poderes Judiciário e Legislativo e poderá impulsionar o filtro das ações judiciais em que o poder público é parte (medalha de ouro no ranking dos maiores litigantes do país), incluídas as ações por improbidade administrativa.

Evidente que obstáculos precisarão ser enfrentados para que a conciliação seja viabilizada com aqueles agentes, públicos ou não, acionados judicialmente pela prática de atos de improbidade administrativa, a começar pela mudança de mentalidade no trato da coisa pública no seio das ações judiciais.

Um, aliás, estará em sobreposição: a reparação do dano. Por não traduzir pena, senão consequência do ilícito, não poderá ser negociada por parte do autor (invariavelmente o Ministério Público). De outro lado, não menos certo é afirmar que a reparação do dano exige prova concreta de sua ocorrência e não mera suspeita ou dedução (como sói acontecer nas ações de responsabilidade por ato de improbidade administrativa), o que afastaria a responsabilidade dos réus quanto a esse dever. Assim, premissa para a discussão do acordo nos casos envolvendo os artigos 9º e 10 da lei de improbidade administrativa (eis que os atos glosados pelo artigo 11 prescindem da ocorrência de efetivo dano ao erário), será a comprovação do efetivo prejuízo ao patrimônio público.

Sem embargo, a partir da jurisprudência consolidada dos tribunais nacionais no sentido de que as penas previstas no artigo 12 da lei 8.429/92 não são cumulativas na responsabilização pela prática dos atos previstos nos artigos 9º, 10 ou 11 da mesma lei, o acordo pode ser vantajoso ao agente público (especialmente se político) se restar afastada a pena de suspensão dos direitos políticos, eis que afastada por tabela estará a aplicação da lei da “ficha limpa”. Por sua vez, aos particulares (em especial se empresas e/ou empresários), o acordo passará a ser atrativo se forem afastadas as penas de proibição de contratar com o poder público, garantindo-se a sobrevivência daquelas vocacionadas a manter contratos administrativos na execução de seu objeto social.

Enfim, como sustentado anteriormente (“Lei anticorrupção empresarial: sugestão de pequenos ajustes”, jornal Cruzeiro do Sul em 16-01-2015), a ousadia deve ser considerada para vencer o estado de crise do sistema de justiça brasileiro e, porque não, representar medida salutar para atingir mais eficiência na responsabilização pela prática de atos contra a administração pública.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *