Esquizofrenia é a melhor tradução para a legislação que irá disciplinar as próximas eleições municipais no país, segundo os participantes do “II Congresso Internacional de Direito Eleitoral”, realizado nos últimos dias 5 de 6 de maio em São Paulo.
Diz-se isso em razão do evidente descompasso entre os mundos real e ideal num momento de crises sobrepostas em que, como nunca antes na história do país, política e justiça estão dissociadas. Enquanto aquela vem sendo demonizada, essa vem se apresentando como a protagonista no despertar da manhã tão desejada.
Como se o processo eleitoral fosse o grande culpado pela corrupção que corrói a nação, veio ele a ser atingido por uma bizarra “reforma” (Lei 13.165/2015) para as próximas eleições. Por tal lei, a pretexto de reduzir o custo das campanhas eleitorais, duas foram as mais significativas mudanças, quais sejam, o fim das doações empresariais e a restrição (ainda maior) da propaganda eleitoral.
Hipocrisia imaginar que dessa cartola sairá um coelho e o Brasil vivenciará uma política nova e mais limpa. Com limitação de recursos para as campanhas e redução do prazo para que o eleitor venha a conhecer quem serão os candidatos a prefeito e vereador de suas cidades não é precipitado concluir que favorecidos serão aqueles que já estão no poder e não veremos grandes mudanças, quiçá transformações, na representação política dos municípios.
Aliás, em matéria de propaganda eleitoral, a nova lei trouxe algumas regras a respeito do que não constitui campanha eleitoral antecipada (válida somente a partir de 16 de agosto) e que, se constatada, pode ensejar a aplicação de multa, a variar de 5 a 25 mil reais, ou ao equivalente ao custo da propaganda, se esta for maior.
Interessante esclarecer que a lei permite aos pré-candidatos se apresentarem, inclusive perante as redes sociais, e fazerem a divulgação de seu posicionamento pessoal sobre questões políticas. Igualmente estão autorizados a expor o que já realizaram na vida pública ou mesmo apresentar quais as ações que pretendem desenvolver. Podem pedir apoio político. Só não vale pedir voto antes do dia 16 de agosto.
Chega a ser cômico permitir o pedido de apoio e proibir o pedido de voto enquanto não iniciada a largada oficial da disputa eleitoral. Como se após o aniversário da cidade de Sorocaba (15/08), um passe de mágica transformasse o pedido de voto (antes pedido de apoio) em algo determinante para o sucesso do político nas urnas.
Fato é que não são pontuais reformas da lei que irão conduzir políticos mais preparados para a administração pública enquanto os eleitores não estiverem engajados na escolha e fiscalização de seus representantes. Outrora aplaudida, a própria lei da “ficha limpa” atualmente se apresenta para alguns (e não são poucos) como de duvidosa sintonia com a voz das ruas.
Eis um exemplo. Quem, mercê do ativismo do STF, não chegou a pensar o porquê de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha, Delcídio do Amaral, e tantos outros na mira da justiça, não abdicarem de seus mandatos? Não o fazem porque estarão reconhecendo que são “fichas sujas”. Ora, não fosse um carimbo de ficha suja previsto na lei que se imaginou possuir a vocação para separar o joio do trigo, talvez a renúncia do poder, algo imaginado como a saída honrosa para o bem do país, seria o exemplo a seguir por muitos políticos, como o fizeram Dom Pedro I, Jânio Quadros e Fernando Collor.
O importante, contudo, é não deixarmos que o pessimismo, ou pior, a omissão, governe a opção pelo voto a ser exercido nas eleições que se aproximam. Em tempos de voltarmos a exercer o poder, não custa lembrar o que disse Winston Churchill a respeito da democracia: “é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas”.
Enfim, por maior que seja a revolta com a política, o povo não pode se abster de dela participar pois no fundo o que mais sonhamos é fazer coro ao que disse o ministro Barroso do STF: “não quero viver em outro país, quero viver em outro Brasil”.
Publicado no jornal Cruzeiro do Sul em 30-05-2016: http://www.jornalcruzeiro.com.br/editoria/10/artigos