O ano de 2015 vai se encerrado e, mercê das dúvidas a respeito do alcance da Lava Jato, razoável concluir que há uma certeza: o “case” está a provocar transformações importantes na república brasileira.
O enfrentamento da superlativa corrupção tem proporcionado abalos sísmicos em solo de uma minoria, a dos poderosos, e acarretado erosão no terreno fértil da impunidade.
Mas não é só. O mérito vai além. Foi pano de fundo para relevantes alterações em matéria legislativa no país: empresas não mais podem doar para campanhas eleitorais, a lei anticorrupção foi regulamentada, e agora, já no encerramento do interminável ano de 2015, justificou a edição de uma medida provisória (MP 703, publicada no DOU em 21-12-2015) de fortes impactos no microssistema de combate à corrupção.
Por esse ato da Presidente da República de índole normativa emergencial as leis da anticorrupção empresarial (12.846/2013) e da improbidade administrativa (8.429/92) foram ajustadas especialmente em dois significativos pontos:
1) o Ministério Público passa a ter participação na construção dos acordos de leniência entre o poder público e as empresas envolvidas em atos lesivos à administração pública, e, no seu espectro, poderá afastar em favor do(s) colaborador(es) a incidência das penas previstas nas leis de improbidade administrativa (8.429/1992), de licitações (8.666/1993), do regime diferenciado de contratações públicas (12.462/2011), e das infrações contra a ordem econômica (12.529/2011);
2) as empresas que celebrarem os acordos de leniência (e não mais apenas a primeira a se apresentar) poderão continuar contratando com o poder público e, se for a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração do ilícito, poderá obter a remissão da sanção pecuniária (máximo previsto em lei é de 60 milhões de reais ou 20% do faturamento bruto do exercício anterior ao da instauração do processo administrativo), ressalvada, é claro, a reparação do dano que permanece inegociável.
Dentre os motivos invocados para justificar a edição do ato, secundados pelos Ministérios da Justiça e do Planejamento, além da Advocacia Geral da União e da Corregedoria Geral da União, está a “urgência de contar com procedimentos mais céleres para firmar acordos de leniência e salvaguardar a continuidade da atividade econômica e a preservação de empregos”.
Por sua vez, o projeto de lei do Senado Federal tido como análogo (PL 105/2015 – acrescenta parágrafo único ao artigo 16 da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, determinando que acordos de leniência celebrados por entes da Administração Pública sejam homologados pelo Ministério Público) contou com a seguinte justificativa: “(…) com o desenrolar das investigações da Operação Lava-Jato, verificamos que a Lei pecou ao não prever a participação do Ministério Público na construção dos acordos de leniência”.
Se dúvida pode existir em torno dos pressupostos formais da urgência e relevância da Medida Provisória 703, certa está a influência da Lava Jato na configuração de uma situação, sob a ótica da Presidência da República, em que a demora na produção da norma (o PLS 105/2015 está na Câmara dos Deputados – PL 3636/2015 desde 16/11/2015) esteja a caracterizar estado de necessidade hábil a impor a adoção imediata de providências, de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de legiferação.
Sem enveredar na polêmica, a iniciativa do Planalto torna saliente o ato de concitar o Congresso Nacional a deliberar sobre a necessidade de converter em lei a possibilidade de o Ministério Público, rompendo com paradigma até então vigente (artigo 17, §1º, da Lei 8.429/92), poder negociar o alcance das punições por atos de corrupção e/ou lesivos à Administração Pública.
A propósito, e sem embargo da oportuna alteração de mérito da medida provisória por ocasião de sua aprovação ou não pelo Congresso Nacional, um registro merece ser feito. O texto da Medida Provisória, diversamente do contido em sua justificativa, não é análogo ao aprovado pelo Senado Federal que, em maior abrangência, previu em seu artigo 3º a inclusão do parágrafo único ao artigo 30 da Lei 12.846/2013, com a seguinte redação:
“Art.30. ………………..
Parágrafo único. O acordo de leniência, quando celebrado em conjunto com os órgãos do Ministério Público com atribuições para exercer a ação penal e a ação de improbidade pelos mesmos fatos, poderá abranger, em relação às pessoas físicas signatárias, as sanções penais e por improbidade decorrentes da prática do ato”.
Como se vê, a proposta do Senado é mais ampla. Além das empresas, compreende a possibilidade das pessoas físicas que vierem a celebrar acordos de leniência, serem contempladas com o alívio das sanções, inclusive de natureza penal.
Enfim, espera-se que a urgência em atender as empreiteiras na confecção de seus acordos de leniência perante a CGU e Cade, realmente importe em relevância para o povo brasileiro na salvaguarda da continuidade da atividade econômica e a na preservação de empregos, renovando em todos que não fogem à luta a esperança de um ano novo e próspero.