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STJ valoriza os Princípios Méndez, recomendados pelas Nações Unidas, para entrevistas eficazes

Destaque:

Sendo verossímil a narrativa de maus tratos apresentada pelo acusado durante a abordagem policial, mormente quando o laudo pericial certifica a ocorrência de lesão corporal no réu, deve-se declarar ilícita a sua confissão informal e, por derivação, todas as provas dela decorrentes, já que é do Estado o ônus de provar que atuou dentro dos contornos da legalidade.

Informações do inteiro teor:

No caso, o paciente foi condenado por tráfico de drogas a partir das provas que foram encontradas no domicílio da corré, sua então namorada. Na busca pessoal, nada de ilícito foi achado com ele.

Contudo, a confissão do acusado de que suas drogas estariam na mencionada localidade foi recebida sem maiores questionamentos pelo magistrado. Ou seja, mesmo que a abordagem não haja resultado no encontro de drogas, apetrechos ou outros indícios de tráfico, o juiz acatou, sem qualquer questionamento metodológico, a versão segundo a qual o paciente contara aos policiais – como se estivesse entre amigos confidenciando seus feitos – que teria drogas guardadas em outra localidade. Mais ainda, considerou o julgador que o acusado, sem qualquer tipo de pressão ou constrangimento, também teria se prontificado a levar os policiais onde as drogas estavam armazenadas, num gesto de extremo desprendimento e de colaboração com o Estado.

O cenário de uma confissão que, nas palavras do juiz, teria sido prestada de forma “calma e tranquila”, não faz jus ao conteúdo da gravação. Efetivamente, as imagens gravadas e juntadas pela própria polícia militar dão conta de uma cena duvidosa, que exibe um cidadão em situação de vulnerabilidade, em local escuro (ambiente, aliás, inadequado para se obter uma confissão livre e voluntária), sentado no chão e com as mãos escondidas debaixo das pernas; nessas condições, responde o que o policial lhe pergunta, olhando para a câmera do celular apontada pra ele, de cima para baixo.

A circunstância de não estar evidenciada, na gravação, uma explícita violência ou ameaça não é suficiente para afastar a alegação defensiva de que o paciente sofrera coação física e moral para confessar, especialmente ao se levar em consideração o laudo pericial que certifica o dedo quebrado do paciente. A seu turno, há constância nas declarações do paciente, quando, ao estar na presença de autoridades outras que não as forças policiais, afirmou ter sido torturado para confessar a guarda das drogas.

Com efeito, no caso sob exame, desde a audiência de custódia, o paciente afirma que foi torturado pelos policiais que o abordaram. Isto é, em todas as oportunidades institucionais em que entendeu estar acompanhado de uma outra autoridade – e não mais sozinho com policiais -, o paciente tentou denunciar o trato que recebeu dos policiais. Em vão, porque nem mesmo após a confecção do laudo, o sistema de justiça deu-lhe a devida atenção.

Ocorre que é do Estado o ônus de provar que atuou dentro dos contornos da legalidade, o que faz emergir o seguinte questionamento: se houve a preocupação de registrar por vídeo a confissão, por que não houve idêntica preocupação em se registrar a abordagem, o ingresso domiciliar mediante a conjecturada autorização do morador e, ainda, o encontro das drogas na residência? É forçoso admitir que a seletividade de se registrar apenas parte da atuação policial suscita dúvidas sobre a credibilidade do relato dos agentes estatais.

Não por outra razão, aliás, o documento que apresenta os Princípios Méndez, recomendados pelas Nações Unidas e que consistem em uma reunião de medidas que desejavelmente devem ser adotadas com vistas à colheita de declarações epistemicamente mais confiáveis, adverte: “Não deve haver ‘conversas informais’, que carregam o risco de se desviarem das entrevistas oficiais ou salvaguardas aplicáveis.” E, “O risco de tratamento ilícito e desumano é particularmente elevado no momento da apreensão ou detenção ou antes da chegada a um local de detenção oficialmente reconhecido. Os riscos associados a esse período incluem o uso excessivo da força, o uso indevido de restrições, o questionamento coercitivo improvisado e períodos prolongados de confinamento em transporte – todos os quais podem equivaler à tortura.”

Do exposto, ante o reconhecimento de que, no presente caso, é verossímil a narrativa de maus tratos impostos ao acusado, deve-se declarar ilícita a confissão informal e, por derivação, todas as provas posteriormente encontradas na casa da corré.

Ressalte-se que, segundo a doutrina, a exclusão das provas derivadas das provas diretamente ilícitas “não obedece a nenhuma ‘generosidade garantista’, mas é tão somente mais uma consequência da especial posição que os direitos fundamentais ocupam no ordenamento jurídico e a necessidade de garantir veementemente a sua eficácia”.

Doutrina

Princípios sobre Entrevistas Eficazes – Princípios Méndez

Processo:

HC 915.025-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Fonte:

STJ, Informativo 849, 13-05-2025

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