A ação baseada na redação original do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), antes da edição da nova LIA (Lei 14.230/2021), não deve ser rejeitada por abolição da conduta, pois ela pode ser reenquadrada pelo juiz.
A conclusão é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu manter o trâmite de uma ação do Ministério Público do Rio de Janeiro.
O processo apura o enriquecimento ilícito desproporcional do ex-presidente do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Jonas Lopes de Carvalho Filho, mediante aquisição de bens pagos com valores não oficialmente declarados.
Essa imputação foi feita com base no artigo 9º, inciso VII da LIA. O MP-RJ incluiu, ainda, o artigo 11, caput e inciso I. Na redação original da lei, punia pelo ato genérico contrário aos princípios da administração pública, visando fim proibido em lei.
Durante o trâmite da ação entrou em vigor da nova LIA, que alterou o artigo 11. Agora, o reconhecimento da improbidade demanda a existência de uma ação dolosa por parte do réu e que esteja listada em um dos incisos.
Coube ao STJ definir se essa alteração seria suficiente para, de pronto, derrubar a ação de improbidade pelo artigo 11 ou se ela deve prosseguir, para que o juiz analise se os atos imputados se enquadram na nova redação.
Por maioria de votos, a 2ª Turma entendeu que a ação deve ser mantida, cabendo ao juiz de primeiro grau avaliar se a conduta pode ser reenquadrada, ao aplicar a continuidade-típico normativa.
Nova LIA aplicada
O julgamento do recurso foi iniciado em agosto de 2023 e se estendeu até dezembro de 2024. Com isso, conta com voto de dois ministros que hoje não mais integram a 2ª Turma: Herman Benjamin e Mauro Campbell. O acórdão foi publicado em 8 de setembro.
Relator, o ministro Herman defendeu a manutenção de ação quanto ao artigo 11 da LIA. Essa posição foi acompanhada em voto-vista do ministro Francisco Falcão e também por Teodoro Silva Santos.
Os votos estabeleceram as seguintes situações:
Se a ação não tivesse sido recebida no momento em que a nova LIA entrou em vigor — o juiz poderia rejeitar a petição, determinar a emenda da inicial ou recebê-la normalmente, caso os pedidos estivessem em conformidade com a versão atualizada da lei;
Se a ação fosse proposta após a nova LIA, para fatos anteriores à sua vigência — não haveria nenhum óbice para que o Ministério Público indicasse outros dispositivos legais para tipificar a conduta ímproba;
Se a ação fosse recebida antes da nova LIA, mas não resolvida no momento em que entrou em vigor — caberia ao juiz analisar os fatos, avaliar se eles podem ser reenquadrados na nova redação do artigo 11 ou determinar a absolvição;
Se o mérito da ação já tivesse sido julgado antes da nova LIA — só assim caberia ao STJ determinar o correto enquadramento da conduta à luz da moldura fática delineada pelas instâncias de origem.
Continuidade típico-normativa
“O caso em apreço versa apenas sobre o recebimento da inicial em ação de improbidade proposta antes da vigência da Lei nº 14.230/2021, de modo que durante a instrução processual será melhor examinada a conduta dos réus, que poderão a qualquer tempo ser absolvidos”, resumiu o ministro Francisco Falcão.
Essa posição aplica a tese da continuidade típico-normativa, que ocorre quando uma conduta tem sua tipificação em lei revogada, mas continua sendo ato ilícito em uma nova norma. Ela foi referendada pela 1ª Seção do STJ, em fevereiro.
Ficou vencido o ministro Mauro Campbell, que abriu a divergência ainda em novembro de 2023. Hoje corregedor nacional de Justiça, ele não teve sequer a possibilidade de reavaliar o voto quando do final do julgamento.
Quando se posicionou, ele foi a favor de extinguir a ação de improbidade com base no artigo 11, diante das alterações promovidas pela nova LIA, privilegiado interpretação mais benéfica ao réu da ação de improbidade que responde por conduta hoje atípica.
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AREsp 1867244
Fonte: revista Consultor Jurídico, em 21-09-2025